05/03/2013 - Valor Econômico
Os trens de passageiros intermunicipais se
preparam para voltar a circular em pelo menos nove Estados onde há projetos em
estudo. A intenção na maioria dos casos é aproveitar trechos de ferrovias de
cargas já existentes para o transporte de passageiros em trens de média
velocidade. Os projetos preveem operação pela iniciativa privada e tarifas que
concorram com as de ônibus, com a intenção de desafogar as rodovias.
Ao todo são 1,9 mil quilômetros nos
chamados "trens regionais" que têm previsão de começar a sair do
papel no próximo ano. O Ministério dos Transportes possui desenhos avançados de
seis trechos, a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco)
estuda duas linhas na região de Brasília, o governo de Minas Gerais, três, e o
de São Paulo outras cinco.
Depois de um levantamento do Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que apontava 64 trechos
potenciais de ferrovias que poderiam receber passageiros, o Ministério dos
Transportes escolheu 14 trechos prioritários para estudos em 2011. Depois de
dois anos, seis estão em execução pelo órgão e um pelo governo de Minas Gerais
e devem ser concluídos até o fim do primeiro semestre. Depois dos estudos,
serão feitas consultas públicas e a intenção do Ministério dos Transportes é
lançar os editais até o fim do ano para que as obras comecem no início de 2014.
Os trechos mais adiantados são da ligação Londrina-Maringá, no Paraná, e de
Bento Gonçalves-Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, que já tiveram os estudos
concluídos e terão audiências públicas no mês que vem para ouvir os moradores e
governos locais sobre os projetos.
De acordo com Euler Costa Sampaio,
coordenador dos estudos de trens regionais de passageiros do Ministério dos
Transportes, a operação dos trens deve ser feita por meio de Parceria
Público-Privada (PPP) ou concessão. "Queremos aproveitar as novas regras
do setor ferroviário, que instituiu o direito de passagem nas ferrovias de
carga", diz. Em alguns trechos, como entre Londrina e Maringá, a intenção
é duplicar a via, já que o tráfego de cargas na região é pesado devido a
proximidade com o Porto de Paranaguá. Os estudos vão apontar se a demanda é
suficiente para viabilizar uma linha só para passageiros, diz Sampaio. A
estimativa de demanda chega a 36 mil passageiros por dia e a 13 milhões de
passageiros por ano.
Outro desafio dos trens regionais será a
chegada dentro das cidades, em locais em que possa haver integração com o
transporte municipal. "Tem de ter qualidade e acessibilidade para
concorrer com ônibus. As tarifas devem ser similares às do transporte
rodoviário", comenta o técnico do Ministério dos Transportes.
Há casos como a ligação de Salvador a
Alagoinhas, na Bahia, em que o estudo que ficará pronto em junho vai apontar a
viabilidade da extensão de 40 quilômetros da linha férrea até Feira de Santana.
Com 568 mil habitantes, a cidade é a segunda mais populosa do Estado e é ligada
a Salvador pela BR-324, que registra tráfego intenso de transporte de pessoas e
cargas.
Outro trecho destacado por Sampaio é o da ligação São Luís-Itapecuru-Mirim, no Maranhão, onde está sendo montado o maior polo petroquímico do Nordeste.
Outro trecho destacado por Sampaio é o da ligação São Luís-Itapecuru-Mirim, no Maranhão, onde está sendo montado o maior polo petroquímico do Nordeste.
Além dos seis trechos com estudos já
iniciados, o Ministério dos Transportes prevê contratar estudos para outros
sete trechos: São Cristóvão - Laranjeiras (SE), Recife - Caruaru (PE), Campos -
Macaé (RJ), Itajaí - Rio do Sul (SC), Campinas - Araraquara (SP), Santa Cruz -
Mangaratiba (RJ), e Bocaiúva - Janaúba (MG).
Os projetos preveem que os trens atinjam de
80 a 140 quilômetros por hora para encurtar, em alguns casos, o tempo de
percurso atual. É o caso do trecho entre Brasília e Goiânia que teria viagens
de 50 minutos, enquanto as de carro e ônibus duram de duas a três horas. O trecho
é estudado pela Sudeco. A linha seria de uso misto, sendo aproveitada para
transporte de cargas, com ligação da Ferrovia Norte-Sul em Anápolis (GO), onde
está prevista uma parada.
O diretor-superintendente da Sudeco,
Marcelo Dourado, ressalta que 6 milhões de pessoas moram no entorno da futura
linha e devem ser beneficiadas pelo novo modal de transporte. Ele destaca ainda
que haverá melhora no escoamento de produção do agronegócio. A região concentra
o segundo Produto Interno Bruto (PIB) meso-regional só perdendo para Rio-São
Paulo.
"Essa ligação mais rápida vai
incentivar a industrialização e a conturbação da região", acredita
Dourado. Os estudos estão sendo concluídos e a intenção do órgão é que a
licitação ocorra até o fim do ano, as obras comecem em 2014 e sejam concluídas
em até sete anos. O custo estimado é de R$ 1 bilhão. A Sudeco estuda ainda a
ligação entre Brasília-Luiziânia (GO), onde já existe linha férrea e seria
necessária adaptação para o trem de passageiros. "Essa seria uma intervenção
mais rápida e barata. Seriam necessários dez meses e R$ 90 milhões de
desembolsos para viabilizar a linha", afirma Dourado. O trecho seria
atendido por um Veículo Leve sobre Trilho (VLT). De acordo com o
superintendente da Sudeco, os dois projetos têm chegada prevista na
rodoferroviária da capital federal e devem desafogar as rodovias do Distrito
Federal.
O governo federal prevê ainda estudos de um
trem ligando as cidades do Triângulo Mineiro e outro mais ousado, da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que planeja o
"Trem da Costa Dourada", linha de 2 mil quilômetros ligando Salvador
ao Delta do Parnaíba (PI) pelo litoral, passando pela maioria das capitais do
Nordeste. Apesar do apelo turístico do projeto até mesmo os estudos encontram dificuldade
para sair do papel. "O Ministério do Turismo tinha se comprometido a
bancar, mas ainda não conseguimos a liberação da verba. Agora estamos
negociando com o governo espanhol para financiar os estudos", diz o
superintendente da Sudene, Luiz Gonzaga Paes Landim. Ele garante que o trem é
viável e afirma que o projeto poderia ser "fatiado", com início nos
trechos de maior apelo turístico como Salvador -Praia do Forte (BA),
Recife-Porto de Galinhas (PE), Natal-Praia da Pipa (RN) e Fortaleza-Canoa Quebrada
(CE).
Para o coordenador de transporte de
passageiros do Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans/UFSC), Rodolfo
Philippi, os projetos atuais estudados pelo Ministério dos Transportes terão
viabilidade reforçada pelo transporte urbano, uma vez que o aproveitamento de
linhas já existentes vai possibilitar estações no centro das cidades. "Em
locais maiores como Londrina, Maringá e Caxias do Sul poderá haver mais de uma
estação incentivando a locomoção das pessoas dentro das cidades", diz.
Já o presidente da Associação Brasileira da
Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, recorda que nas décadas de 60 e
70 os trens de passageiros chegaram a transportar 100 milhões de passageiros
por ano. "Com o desinvestimento do governo na rede, os trens de
passageiros foram perdendo competitividade e começaram a ser desativados e
foram substituídos pelo transporte de rodovias. Agora devemos ter novo momento
de retomada do setor", considera.
Hoje, apenas duas linhas férreas recebem
transporte de passageiros no país: a Estrada de Ferro Carajás, entre São
Luís-Carajás (PA), e a Estrada de Ferro Vitória-Minas entre Vitória e Belo
Horizonte. Ambas são mantidas em projetos sociais da Vale e movimentam juntas
1,5 milhão de passageiros por ano.
Governos de SP e Minas projetam sete linhas
regionais
Os governos de Minas Gerais e de São Paulo
preparam sete linhas de trens regionais. Os dois Estados já tiveram malha
extensa de transporte de passageiros, desativadas nos últimos 20 anos, mas que
continuaram sendo aproveitadas pelo transporte de cargas. Para voltar a receber
passageiros, os projetos preveem investimentos de R$ 2 bilhões em Minas e de R$
25 bilhões em São Paulo nos próximos anos. Somadas, as linhas vão transportar
mais de 700 mil passageiros/ dia.
Em Minas, o governo prepara três ramais
ferroviários na região metropolitana de Belo Horizonte, que vão ligar 23
municípios. O projeto será operado por meio de Parcerias Público-Privadas
(PPPs). O governo do Estado abriu edital e as empresas devem apresentar
projetos até o fim deste mês. O lote 1 prevê a ligação Sete Lagoas-Belo
Horizonte-Divinópolis e vai atender 1 milhão de habitantes que vivem no entorno
da linha.
"São trechos operados parcialmente
pelo transporte de cargas. Algumas áreas estão abandonadas desde 1993, mas
ainda mantêm a faixa de domínio", diz o diretor de planejamento
metropolitano da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo
Horizonte, Adrian Machado Batista.
O lote 2 compreende o trecho
Brumadinho-Belo Horizonte-Águas Claras, e o lote 3 liga Belo Horizonte, Sabará,
Conselheiro Lafaiete e Ouro Preto. o governo de Minas prevê consulta pública e
licitação do projeto no segundo semestre. A assinatura dos contratos e o início
das intervenções estão previstos para 2014 com duração de um ano e meio. As
três linhas transportarão cerca de 120 mil pessoas por dia.
Segundo Marcos Siqueira, coordenador da
unidade de PPP de Minas, "a reativação dessas linhas resolve os maiores
problemas de transporte metropolitano de Belo Horizonte". Os projetos
contarão com subsídio público para garantir viabilidade econômico-financeira.
"Será uma parceria entre governo e empresa para garantir mobilidade na
região metropolitana. Haverá um custo-benefício alto", diz.
Em São Paulo, o governo do Estado prevê
quatro linhas: São Paulo, Mauá, São Caetano, Santo André e Santos;
Jundiaí-Campinas; Taubaté-São José dos Campos e Sorocaba.
Ao todo, serão 431 quilômetros de
ferrovias, aproveitando malhas existentes e construindo novos trechos. O número
de passageiros transportados deve chegar a 465 mil diariamente, segundo
estimativas iniciais.
Em novembro de 2012, o banco BTG Pactual e
a Estação da Luz Participações (EDLP) apresentaram molde para o projeto e o
governo do Estado abriu a possibilidade para que outras empresas interessadas
apresentem projetos. O prazo termina em junho. Na sequência ocorrem consultas
públicas, com lançamento do edital e início das obras, previsto para 2014.
"Os trechos para Jundiaí e ABC já têm
projeto executivo em andamento e estão mais adiantados. Essas linhas já começam
a ser tocadas pelo governo do Estado. Quando as empresas assumirem o projeto,
os desembolsos do poder público nessa fase inicial contam como contrapartida",
explica o secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Jurandir
Fernandes. Os projetos serão feitos por fases. As primeiras linhas estão
previstas para entrarem em operação em 2016 e as últimas em 2020.
"As estradas estão no limite da capacidade.
Há grande congestionamento de veículos no acesso a São Paulo. Esses são os
primeiros trechos que queremos tirar do papel. Há vários projetos que estudamos
fazer posteriormente", diz Fernandes.
Há ainda o projeto de um Veículo Leve sobre
Trilhos (VLT) ligando Praia Grande, São Vicente e Santos, com 17 quilômetros de
extensão na fase inicial e 35 quilômetros na fase final, em que chega até o
Guarujá. A Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU)
prevê lançar em maio o edital de concessão do Sistema Integrado Metropolitano.
A estimativa é que circulem 246 mil passageiros por dia útil. O projeto é
estimado em R$ 7,5 bilhões. O contrato de assinatura com a empresa que deve
operar o trecho está previsto para novembro e as obras devem ter início em
2014.
Com tantos projetos previstos, a
expectativa da indústria ferroviária é de nova retomada do setor. "Depois
do ostracismo vivido nas décadas de 80 e 90, o setor voltou a se aquecer em
2003 com o plano de revitalização de ferrovias do governo federal, e em 2007
com as obras de metrô de São Paulo. Agora, os trens regionais devem marcar novo
momento de alta de demanda", diz o presidente da Associação Brasileira da
Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate.
Abate prevê que o setor feche a década com
mais 3 mil quilômetros de ferrovias que servem passageiros. Os cálculos levam
em conta os trens regionais, de transporte urbano e o trem de alta velocidade
(TAV). Hoje são mil quilômetros, a maioria de trens urbanos. Os projetos,
segundo Abate, devem gerar encomendas de 4 mil vagões para o segmento até 2020.
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